Os impactos sociais da Copa do Mundo
Apesar de ser um megaevento que atrai muitos telespectadores, os impactos sociais da Copa do Mundo são muitos. Por isso, saiba mais sobre eles agora mesmo!
Leia também: Valores da educação na Humanizae
A Copa do Mundo é um megaevento esportivo resultado do processo de globalização ocorrido durante o século XX. Por isso, os impactos sociais da Copa do Mundo hoje em dia afetam todas as comunidades contemporâneas de forma desigual e desiquilibrada, pois o evento é utilizado pelo capitalismo como um recurso de manutenção do poder hegemônico.
Pensando nisso, o CAEF (Centro Acadêmico de Educação Física), entidade de representação dos estudantes de Educação Física da UFSC, que atua na linha geral da ExNEEF (Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física), organizaram um evento público dentro da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para aprofundar a reflexão sobre os impactos sociais da Copa do Mundo.
Juntas as organizações representam as bandeiras de luta que versam sobre o movimento estudantil de uma Educação Física crítica e combativa às dinâmicas sociais da atualidade.
No dia 18/11/2022, organizaram uma mesa de debate para discutir sobre a interseccionalidade do dia 20/11/2022, entre a abertura da Copa do Mundo de 2022 e o Dia a Consciência Negra, sendo a mesa constituída por:
- Filipe Cardoso Rodrigues, homem negro de pele clara, com 26 anos e natural do Rio Grande/RS, microempresário e graduando em Educação Física.
- Mari Souza, formada em Ed Física, parte do coletivo ALICERCE – organização política alicerçada nas lutas estudantis, sindicais e populares – e colaboradora da FREJUNA – Frente da Juventude Negra Anticapitalista.
- Emilio Freire, graduado em Educação Física pela UFSC e mestrando em Serviço Social pela mesma Universidade. Estudioso do futebol e professor de futebol comunitário.
O presente artigo é resultado da discussão das três falas da mesa, como também das contribuições do público presente. Além disso, foi utilizada como referência essencial o trabalho de conclusão de curso do Filipe Cardoso, Desigualdade racial nos comandos do futebol brasileiro: Uma análise de discursos de personalidades do esporte, e a dissertação de Mestrado do Vinícius de Moraes, A Copa do(a) Capital para fazer a análise dos impactos sociais da Copa do Mundo.
A história do futebol
Não se sabe ao certo qual é a origem exata do futebol, já que esportes com práticas parecidas eram exercidas nas civilizações antigas da China, Gregos e Romanos.
Sabe-se que o futebol chegou a ser proibido pelo rei Eduardo III na Inglaterra no século XII, porque era considerado um esporte violento e distrativo para os soldados, já que a falta de regras resultavam em ataques físicos severos para impedir o avanço do adversário no ataque, o que poderia impedir a massa popular de participar de guerras.
O futebol moderno que conhecemos hoje foi ganhar forma somente no século XIX na Inglaterra, quando o esporte se tornou popular entre escolas e universidades públicas para promover a integração entre os estudantes. Em 1848, a Universidade de Cambridge fez a primeira tentativa de formular as regras básicas para a prática do esporte, sendo que outras escolas fizeram contribuições complementares para as regras do esporte dentro das quatro linhas.
Desde então, o futebol ganhou cada vez mais popularidade ao redor do mundo. Já no final do século XIX, o futebol chegou no Brasil e foi rapidamente disseminado entre bairros populares.
O futebol foi introduzido no Brasil em 1894, apenas alguns anos após ter se tornado popular na Europa. O primeiro campeonato brasileiro de futebol foi o Campeonato Paulista de 1902, que contou com a participação de cinco times regionais.
Desde o século 20, a popularidade do futebol aumentou, de forma que hoje o Brasil é hoje uma das nações mais bem sucedidas do mundo no futebol. Contudo, apesar do sucesso popular e econômico do futebol no Brasil, historicamente a prática desse esporte foi utilizada como uma manutenção do status quo da hegemonia branca.
Apesar de popular, a prática profissional do futebol no século XX excluiu a participação dos negros durante muito tempo, sendo a história do futebol atrelada a propagação do racismo e da exclusão social. Contudo, a luta e o engajamento por inclusão dentro do esporte deram a oportunidade de atletas negros se destacarem para conquistarem o devido espaço dentro das quatro linhas.
Principalmente depois que o Brasil ganhou o bicampeonato mundial em 1958 e 1962 com o protagonismo de Pelé, Garrincha e Didi, o protagonismo dos atletas negros ficou evidente, o que tornou inquestionável a rentabilidade de incluir a participação profissional dos negros no esportes. Contudo, desde então, apesar de existir uma grande representatividade dentro do campo, essa representatividade não refletiu as mesmas oportunidades nos cargos de comando de grandes equipes ou organizações esportivas.
Por isso, a desigualdade racial permanece na estrutura do futebol e, consequentemente, na sociedade, na medida em que os cargos de comando são exercidos majoritariamente por homens brancos e os cargos de execução são exercidos pelos negros.
“Técnicos negros, de fato, estão à margem da elite do futebol nacional. Apesar de todas as cinco formações da seleção brasileira que venceram a Copa do Mundo contarem com pelo menos cinco jogadores negros, apenas o ex-meia Didi construiu carreira notável como treinador. O cenário permanece estável. Não há um negro no banco dos times que disputam os campeonatos Paulista e Carioca deste ano, os principais estaduais do país. Entre os 40 técnicos que terminaram as séries A e B do último Brasileiro, somente Anderson Silva, do Ceará, era negro. Ele liderou o time como interino nas últimas rodadas da segunda divisão e, ao fim da competição, retornou ao posto de auxiliar” (PIRES, 2013).
Essa problema, da falta de representatividade negra em cargos de comando é um aspecto que, segundo o trabalho do Filipe Cardoso Rodrigues, afeta também outros países ao redor do mundo.
“Analisando o histórico do futebol inglês, percebemos a miscigenação entre atletas. Porém, se tratando de cargos superiores como o de treinador, o panorama parece ser diferente. Dos 92 treinadores possíveis para as cinco divisões profissionais da Inglaterra entre os anos de 2001 e 2011, observou-se uma média aproximada de 2 a 4 treinadores negros no futebol inglês (CASHMORE; CLELAND, 2011).” (RODRIGUES, 2022)
Além disso, a ascensão econômica do futebol promovida à jogadores negros não exclui as manifestações racistas ao redor do mundo, já que ainda podemos ver casos de torcedores jogando bananas para jogadores como Daniel Alves, por exemplo.
Dessa forma, ainda hoje articula-se a lógica dentro do futebol de que os brancos pensam e os negros executam, sendo o termo “jogar com raça” uma possível alusão a uma ação irracional, mas apaixonada dentro de campo.
É difícil encontrar casos de transição de negros como treinadores e diretores de grandes times. Por exemplo, hoje em dia ainda é muito comum encontrarmos seleções africanas treinadas por brancos, o que evidenciam uma articulação do racismo estrutural dentro do futebol internacional.
Por outro lado, podemos ver uma tendência brasileira de incentivo à gestão negra com a nomeação de Ednaldo Rodrigues, nomeado em Agosto de 2021 como o primeiro presidente negro da CBF, situação que ainda não ocorreu na hegemonia branca dentro da FIFA, por exemplo.
Contudo, o que podemos notar, também, é que a lógica excludente do futebol afetam não somente negros, como também afetam as mulheres, que, apesar de participarem profissionalmente em um campeonato a parte, contam com poucos incentivos e benefícios em comparação com o esporte masculino. Além disso, os cargos de decisão das grandes instituições esportivas se mantém fora do alcance das mulheres, também. Segundo Filipe Cardoso Rodrigues:
“A Federação Internacional de Futebol (FIFA) conta com uma mulher negra entre seus principais comandantes. A executiva sênior senegalesa Fatma Samoura foi a primeira mulher nomeada para o cargo de “Secretário-Geral” da FIFA, no ano de 2016 (KAMPFF, 2020). Antes da comemorada nomeação, Fatma passou por diversas funções dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) e sua nomeação foi tida como uma quebra de paradigmas, visto que ela é uma das únicas pessoas negras a ocupar um cargo tão relevante dentro do futebol (KAMPFF, 2020).” (RODRIGUES, 2022)
A história da Copa do Mundo
Desde então, o futebol se tornou um fenômeno mundial, cada vez mais globalizado na sociedade. É jogado em quase todos os países do mundo, sendo a Copa do Mundo realizada a cada quatro anos desde 1930.
Para organizá-la, foi necessária a organização de uma instituição mundial que pudesse controlar a burocracia e a regularização do esporte ao redor do mundo. Dessa forma, a história da Copa do Mundo confunde-se com a história da FIFA, que é uma instituição que governa o futebol de associação internacional, o futsal e o futebol de praia, entre outros, responsável pelos impactos sociais da Copa do Mundo.
A FIFA é a maior e mais antiga entidade esportiva mundial organizada, tendo hoje cerca de 211 associações relacionadas. Ela é responsável pela organização da Copa do Mundo desde a primeira edição de 1930.
“(…) o mercado esportivo mundial tem sido um dos setores mais expansivos na atualidade. Nos EUA estima-se que os volumosos lucros no campo esportivo alcançam as cifras de centenas de bilhões de dólares (Matiello, Capela, Breilh, 2010). Existe no campo esportivo um amplo processo de industrialização desse fenômeno, que desconhece fronteiras, assim como as transnacionais que se esparramam mundialmente. Sua estrutura organizativa via instituições esportivas, entre elas, FIFA e COI, as mais poderosas, administram o esporte com mãos de ferro, assemelhando-se aos grandes monopólios detentores dos mais diversos ramos da produção.
No campo esportivo, a FIFA controla o esporte mais popular do mundo, o futebol. Já o COI organiza inúmeras associações e federações dos esportes olímpicos, em prol da consigna ―o mais rápido, o mais alto, o mais forte, alimentando um padrão esportivo enraizado na competição e estilo de vida capitalista (SIMSON; JENNINGS, 1992).” (MORAES, 2015)
A FIFA foi fundada em 1904 em Paris por associações de futebol da França, Bélgica, Dinamarca, Suécia, Suíça e Holanda, países de primeiro mundo que se organizaram para criar a burocracia necessária para aderir ao “futebol padrão FIFA”.
A Copa do Mundo da FIFA é uma competição que tem sido organizada pelo órgão dirigente internacional do futebol mundial associativo. Em 1930, foi disputada a primeira Copa do Mundo no Uruguai, com 13 equipes. Foi considerada uma edição de enorme sucesso, com as etapas finais sendo assistidas por cerca de 300.000 pessoas.
A primeira Copa do Mundo a ser transmitida pela TV foi em 1954 e aconteceu na Suíça. O torneio de 1966, realizado na Inglaterra, atraiu um recorde de 190.000 torcedores dentro do estádio. Um dos momentos mais memoráveis do torneio foi quando o brasileiro Pelé se tornou o jogador mais jovem a jogar em uma Copa do Mundo aos 17 anos de idade, sendo, também, o jogador mais novo a vencer o campeonato.
Hoje, a competição é disputada por seleções nacionais masculinas e femininas das federações membros da FIFA, sendo um dos eventos mais prestigiados do mundo inteiro. O Brasil já ganhou o título cinco vezes e é a única nação a ter jogado em todas as edições da Copa do Mundo. Contudo, apesar do sucesso, a prática do futebol estabelecida pelo padrão FIFA manteve e articulou muitos dos problemas sociais da globalização, como por exemplo o racismo e a desigualdade social.
A Copa do Mundo é um megaevento mundial que utiliza a esportividade para mercantilizar o futebol à lógica do capitalismo, provendo lucro a cima da vida. A movimentação financeira promovida pelo megaevento possibilita que grandes empresas possam ganhar dinheiro com publicidade e propaganda. Contudo, o que fica para a massa populacional é um recurso de manobra para o consumo e controle de trabalho. Sendo assim, os impactos sociais da Copa do Mundo afetam negativamente a grande massa da população global e positivamente uma pequena parcela de investidores.
“Esse padrão esportivo adentrou ao campo do espetáculo e para isso criou sua expressão mais avançada, os megaeventos esportivos – espaços destinados à mais moderna competição entre as nações no esporte. Fenômeno pelo qual o capital organiza seus negócios através da crescente exploração dos atletas, da profissionalização dos clubes e sua associação enquanto empresas vendedoras do esporte. O consumo gerado pela demanda de esporte hoje movimenta trilhões de dólares com a produção de subprodutos da indústria esportiva e a compra e venda do espetáculo. (MATIELLO, CAPELA, BREILH, 2010).” (MORAES, 2015)
Quais os impactos sociais da Copa do Mundo?
Os impactos sociais da Copa do mundo variam de acordo com classe, gênero e região, o que gera uma proporção desigual na experiência esportiva e comercial do futebol.
O futebol é uma prática que tem a capacidade de reunir milhões de pessoas, seja para jogar ou então para ver um time querido em campo. Sendo assim, o futebol é um esporte muito importante para a construção da identidade no período contemporâneo, já que muitos países utiliza o esporte para criar um sentimento de orgulho nacional inatingível em outras atividades.
Por isso, a Copa do Mundo é um megaevento que abre a possibilidade de criar e fortalecer a relação do sentimento nacional, além de incentivar a conexão entre diferentes culturas. Além disso, é muito comum que o país sede da Copa do Mundo tenha um grande incentivo econômico para a área do turismo e do varejo para o país que recebe a Copa. Contudo, o acesso a esses benefícios é extremamente limitado e excludente para a população local, de forma que apenas uma pequena parcela da população possa desfrutar dos lucros e das influências do evento, restando para grande parte da população a submissão e os custos para promover a Copa do Mundo.
Na Copa do Mundo de 2014, por exemplo, o desvio de verba para a construção dos estádios e a política higienista para promover o turismo no Brasil, fizeram com que, novamente, as classes marginalizadas da sociedade fossem postas de lado para sofrerem enquanto uma minoria poderosa aproveitava os benefícios do lucro.
A burocratização do padrão FIFA foi, além de onerosa, um recurso para a reprodução do capital hegemônico, causando um movimento de combate para exigir “saúde e educação pública padrão FIFA”. Assim, a Copa do Mundo de 2014 pode ser entendida como uma espetáculo disfarçado para silenciar os reais problemas que a sociedade enfrenta.
Dessa forma, o futebol padrão FIFA praticado na Copa do Mundo preza por uma lógica de mercado para proporcionar lucros para grandes empresas, indo muito além da prática do esporte pelo prazer. Podemos ver como um exemplo disso o cartão amarelo dado por um jogador ao tirar a camisa para comemorar o gol. Mais do que a justificativa para a “nudez”, o cartão amarelo penaliza o jogador por não divulgar os patrocinadores na camisa no momento de maior felicidade do esporte, que seria associado a uma marca para propósitos comerciais.
Sendo assim, há uma grande diferença entre o futebol do dia a dia – praticado com prazer e inclusão – e o futebol da FIFA – praticado como um jogo do capital excludente -, já que a burocratização padrão FIFA serve como um recurso de exclusão para deslegitimar práticas esportivas da população marginalizada. Por exemplo, a Lei do Incentivo ao Esporte, feita para promover acesso e ascensão social, é destinada majoritariamente a grandes clubes que podem participar da burocratização para conseguir a verba necessária para crescer dentro da indústria do futebol. Contudo, isso exclui clubes emergentes que precisam da verba para conquistarem espaço dentro do futebol padrão FIFA.
Considerações finais
Portanto, podemos ver que, apesar da aparente inclusão que o futebol profissional promove, as estruturas que organizam a gestão e o comando profissional ao redor no mundo se mantêm excludentes. Por isso, o Emilio Freire deixa um questionamento importantíssimo para a sociedade contemporânea, que é: como podemos acabar com o racismo e a exclusão dentro das quatro linhas?
Os impactos sociais da Copa do Mundo mostram o resultado da globalização no período contemporâneo. Por isso, é importante estudar sobre esses aspectos para praticar o esporte de uma forma livre de manipulação e articulação comercial. Dessa forma, os impactos sociais da Copa do Mundo podem ser minimizados se adquirirmos a consciência sobre eles, fazendo com que possamos, finalmente, aproveitar o futebol pelo prazer do esporte.
Para finalizar o artigo da mesma forma que a Mari Souza encerrou a mesa, compartilhamos abaixo uma poesia de Vinícius de Moraes Brasil:
O Brasil que da Copa Pariu
Patrimônio cultural, parte da cultura corporal,
Caiu no jugo do capital, desde os primórdios,
Pediu alforria, sucumbiu, virou mercadoria,
Competição, individualista, divisionista, racista,
Produto da sociedade capitalista, que usa da televisão,
Para reforçar a alienação, que nos domestica,
A submissão. Aos mais humildes relega-se
Como a única saída, para dar vida ao ardil,
Que sobrevive da exploração do trabalho infantil.
No Brasil, se compreende se acha que entende.
O Jogo é jogado, o resultado manipulado, mas,
Está tudo normal, pois faz parte do jogo do capital.
Seguimos, torcendo, correndo, pra competir,
Pra não fugir das regras do jogo, elaboradas,
Pela rede globo.
Assim o espetáculo amplia seus tentáculos,
De tempo em tempo reforça seu talento na forma
De megaevento. Não me julgo entendido,
Pelo contrário, ofendido, iludido, banido.
Sigo na minha buscando as raízes dessa cultura,
Que surgiu da rua, do coletivo, afetivo,
Subversivo, tendo a consciência que é de lá que ela,
Irá se reinventar, se livrar das amarras da prisão,
Que infelizmente hoje nos remete ao patrão.
V.M.B.
Referências
- Rodrigues, Filipe Cardoso – Desigualdade racial nos comandos do futebol brasileiro: Uma análise de discursos de personalidades do esporte. / Filipe Cardoso Rodrigues ; orientador, Anderson Santiago Teixeira, coorientador, Éco Martins do Nascimento, 2022. 72p.
- Moraes Brasil, Vinicius – A Copa do (a) Capital / Vinicius Moraes Brasil. – 2015. 141 p.; 30cm
- PIRES, Breiller. Espn (ed.). Negros são protagonistas em campo, mas minoria na gestão de clubes da Série A e B. 2020. Disponível em: https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/7771363/negros-sao-protagonistas-emcampo-mas-minoria-na-gestao-de-clubes-da-serie-a-e-b. Acesso em: 01 dez. 2022.
Clique no banner abaixo para participar da comunidade digital da Humanizae no Discord!
Comments are closed